quinta-feira, 30 de abril de 2015



Ao adentrar no teatro do Espaço Xisto Bahia, nos deparamos com diversas roupas estendidas pelo chão. Como se elas estivessem colocadas ali para secar, as vestes de todos os tamanhos e cores parecem pertencer a uma família, carregando histórias e cargas afetivas. A campainha toca, o silêncio toma conta do espaço e o espetáculo começa em um dia de casa cheia pela metade.
Como num sonho que vai tomando cor e forma, somos invadidos por uma gama de movimentos fortes que não podem ser vistos claramente. O som dos corpos que batem entre si e no chão se contrasta com a melodia leve música. Com o aumento da luz, nos damos conta de que são dois corpos masculinos em cena. Estes se chocam, se jogam e se completam num fluxo contínuo.
Ao longo de Umbigo, Dejalmir Melo e Jorge dos Santos mantêm uma força magnética. Alternando entre contato corporal e performance individual, os intérpretes passam por momentos que variam entre atração e repulsa, manipulação ativa e passiva, apoiar e servir de apoio, criando contrastes que preenchem o espectador com as mais diversas energias. Este jogo coreográfico perdura todo o espetáculo, numa metáfora que, segundo o release, visa explorar as relações humanas na contemporaneidade.
Umbigo nos convida a diversas indagações. Ao nascer, é o cordão umbilical que nos mantém conectados à nossa progenitora. No entanto, ao mesmo tempo em que sua queda nos proporciona certa independência, seu rompimento nos deixa o legado da dependência. Vivemos o tempo inteiro em relação e dependemos de outros para nossa sobrevivência. Outros que não necessariamente são humanos…
Os intérpretes também parecem desafiar o estereótipo do gênero masculino. Entre toques e batidas, surgem momentos de tensão, destacados pela dilatação do tempo, onde suas bocas e seus sexos se encontram. Que relação é essa? Casal? Irmãos? Amigos? É realmente necessário colocá-los num modelo, numa caixinha? Pode um homem se entregar aos seus desejos e perder sua compostura? Questões pertinentes neste contexto histórico, onde uma bancada evangélica toma as rédeas de um Estado Laico e uma novela é boicotada por causa da representação de amor entre duas senhoras.
Umbigo, junto com Malemolência, encerra a Mostra Baiana de Dança Contemporânea do VIVADANÇA. Em sua segunda edição, a Mostra dá credibilidade e comprova mais uma vez a qualidade da produção artística baiana. Aqui, santo de casa faz milagre e, se a casa é de ferreiro, o espeto não é só de pau.

Guilherme Fraga
Artista da Dança, Professor da Escola de Dança da FUNCEB e Mestrando do PPG Dança da UFBA.

Ficha Técnica: Umbigo
Direção e Coreografia: Dejalmir Melo (BA)
Interpretação: Dejalmir Melo e Jorge dos Santos
Iluminação: Pedro Dultra Benevides
Colagem musical, figurinos e cenografia: Dejalmir Melo
   

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